sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O bom da noite



Mais uma vez tô aqui pra falar dessa gente como eu que gosta de andar no escuro, sem saber onde tá indo, como vai chegar, onde vai tropeçar ou onde vai pisar. Porque não é fé se a gente usar os olhos, e a situação em que menos dá pra usar os olhos, graças a Deus, é no escuro.

No começo da madrugada da última terça-feira, eu e mais uma galera fomos a um lugar onde veríamos algo no meio da escuridão. Não veríamos com os olhos, mas sentiríamos, e veríamos com a alma, e isso seria muito mais legal. Subimos até quase o topo de um monte. Alguns estavam lá pela terceira vez, mas aquela era a minha primeira. Simplesmente porque eu falei que se não estivesse lá, naquela hora, não estaria mais, e havia várias e várias coisas esperando que eu as visse. Eu realmente precisava ir.

Subimos com velas nas mãos, porque senão tropeçaríamos fisicamente, e aquele não era o propósito. Ao chegarmos no ponto em que teríamos de nos posicionar, o que veríamos já havia começado a se manifestar. Sou nova em tudo isso. Tudo era novidade. Ver um buraco enorme no chão cheio de fogo não era comum, mas também não foi assustador, porque eu simplesmente sabia que o que veria lá em cima era completamente novo aos meus olhos e, mais que aos olhos, ao espírito, e era isso exatamente o que importava mais. O espírito. E eu soube que o frio que eu estava sentindo antes da subida foi cessado não só porque daquele buraco saía fogo, mas porque a minha pele também sentiria coisas novas. E o espírito, mais ainda.

Mas também não é sobre isso que eu pretendo e vim aqui pra falar... É que eu tive de apagar minha vela quando cheguei lá em cima e, em um momento, eu a perdi. Quando fomos descer, me deram uma outra vela, que se manteve acesa até certo ponto, mas depois que eu acabei ficando sozinha e sem ninguém ao meu lado pra repartir o fogo que reacenderia a minha vela, ela ficou daquele jeito mesmo.

Tinha gente mais à frente com vela, e aí até dava pra eu enxergar um pouco onde eu estava pisando. Ao contrário do que é comum, a volta pareceu mais longa que a ida. Eu estava socialmente sozinha, naquela hora. Quer dizer, quem me visse e não soubesse, poderia dizer com convicção que eu estava sozinha, mas, durante aqueles cinco dias, em cada um dos momentos em que eu aparentava estar sozinha, eu não estava... mesmo. E naquele momento eu também não estava.

Eu repetia sem parar a frase que vi em algum lugar algumas semanas antes: o bom da noite é que eu vivo pela fé. Essa frase teve um grande efeito, e eu sei que isso é verdade. Não estava enxergando muito. Subi lá com um propósito e desci com ele concretizado. Desci mais leve e um pouco mais tranquila. Desci aparentemente sozinha e aparentemente no escuro. Estava a noite, mas o bom disso é que eu estava descendo aquele monte pela fé.

Então eu ouvi uma mulher dizer, um pouco à frente: se fosse de dia eu não teria subido... E aí eu parei pra pensar que eu, definitivamente, também não teria subido se fosse de dia. Sabe por quê? Porque eu estaria enxergando o tamanho do monte, o quanto teria de andar, os buracos em que eu haveria de enfiar meu pé pra subir, todo o mato que ia fazer minha perna coçar, a lama que ia sujar minhas calças... E à noite é diferente. Estava escuro e, mesmo com velas, eu não estava vendo tudo isso, nem me importava se cansaria a subida, se meu pé ficaria preso, se minha perna coçaria ou se minha calça ia ficar suja. O que me importava era ver a glória de Deus lá em cima e isso eu podia fazer no escuro.

E absolutamente tudo na vida é assim. Na vida de quem anda pela fé, quer dizer. Não precisa enxergar. Não precisa estar claro. Não precisa estar perto. Porque a fé faz acreditar na certeza. Você começa a orar sem saber como vai terminar. Você começa a se posicionar de uma forma, sem saber se vai terminar desse jeito ou de outro. Mas uma certeza você tem: você vai chegar. Não importa se a estrada é longa. Não importa se você tem uma vela. Não importa o quanto você canse, quantos buracos tenham pelo caminho, a certeza de que você vai chegar e vai ver a glória de Deus existe. E foi assim naquele monte, naquela terça-feira.

Quando nós passamos a acreditar no que vai acontecer, ainda que tudo esteja escuro e a nossa vela esteja apagando, a inclinação da subida, o cansaço e as dores causadas por caminhar são amenizadas. Aí, por mais difícil que seja caminhar, fica mais fácil. Porque o bom da noite é que nós andamos pela fé.

2 comentários: